quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Vovó virou estrelinha

Aquele dia tão temido chegou. Por mais que tomamos a consciência da gravidade da doença, não é mesmo fácil de acreditar que está acontecendo de verdade. Tudo parece um sonho (ou pesadelo), daqui a pouco vamos acordar e tudo volta ao normal. Mas é só sensação, não vai voltar ao normal e o normal agora é viver de forma diferente.


Perder minha mãe foi a pior dor que já senti na minha vida. Essa dor não é só na alma, chega a ser física mesmo - os ombros pesam, as pernas ficam trêmulas, o estômago se embrulha. E no meio disso tudo estão lá as crianças. Os netos queridos. A dor só aumenta.

Aquela vontade de sair correndo, gritando e ao mesmo tempo ficar inerte embaixo das cobertas tem que ser engolida, temos que respirar fundo e falar sobre o assunto com eles. Meu Deus, que missão difícil!

 

Eu, que falara tantas vezes que não conseguia imaginar minha vida sem meus pais, me peguei tendo que contar para meus pequenos que vovó foi embora. Na primeira noite não tive coragem, em frangalhos, só tive coragem mesmo de me deitar juntinho e esperar eles dormirem. Mas o dia seguinte chegou e, após voltar do cemitério (não os levei), tive que ser forte.

A vantagem de achar que se está no fundo do poço da dor é que as coisas acabam se tornando menos difíceis do que esperamos. A conversa mais "real" foi com o mais velho, com 8 anos de idade já se tem noção da morte. Meu pequeno teve uma reação muito triste quando contei que nenhum remédio estava mais adiantando e que a melhor opção para vovó realmente era aquela que havia acontecido: ir morar com Deus e não sentir mais dores. Mas que ela sempre estaria viva em nossos corações e que a estrela que mais brilhasse para ele no céu, certamente seria ela. Ele, tão apegado à avó, chorou bastante, mas foi compreensivo e aceitou.


Já com minha pequenininha de 4 anos, foi um pouco estranho. Ela parecia não entender ou não querer ouvir o que falávamos na linguagem dela ("vovó virou uma estrelinha e vai agora morar no céu, mas de lá ela consegue nos ver e nos ouvir"). Porém, em diversas ocasiões ela demonstrou lucidez da situação nos surpreendendo com algumas frases incríveis. Ao mesmo tempo, evitando falar no assunto e nem querer encontrar o avô ou ir na casa dele.

É muito difícil tratar do assunto sem nenhuma experiência ou apoio profissional, mas naquela altura não dava nem tempo de buscar ajuda ou pesquisar sobre o assunto. Porém, apesar de todo sofrimento, acredito que consegui demonstrar para eles que, mesmo não querendo que ela fosse embora e sentir tanta saudade, a morte não é necessariamente uma coisa ruim, que ela está feliz agora e que ficará mais ainda se não nos vir tristes. Naquela semana fizemos um pacto de alegria e batizamos o dia de "dia de Vovó Lêda", nele podia tudo: comer guloseimas, brincar com eletrônicos, dormir mais tarde, a única obrigação era ficar alegre.

 
Não sei se existe a melhor forma para tratar do assunto com as crianças, provavelmente sim, mas  a minha forma foi mergulhar no mundinho deles e tentar ser o mais honesta possível. A dor é nossa, compartilhamos os mesmos sentimentos. E passar por isso e chorar junto faz parte e nos fortalece.

Que a estrelinha brilhe toda noite para a gente!

Um beijo,
Adri.